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Estudo realizado pela COP Advogados para a ADEFERS afirma: Cancelar o Plebiscito é Inconstitucional

Estudo realizado pela COP Advogados para a ADEFERS afirma: Cancelar o Plebiscito é Inconstitucional

A ADEFERS - Assessoria dos Funcionários em Defesa das Estatais e do Patrimônio Publico - assessorada pela COP Advogados, divulgou estudo realizado quanto à possibilidade jurídica de eliminar a retirada do plebiscito para venda das estatais gaúchas.

À pedido da Assessoria Jurídica da ADEFERS realizamos um estudo sobre a possibilidade de Controle Jurisdicional da Proposta de Emenda Constitucional - PEC, que tenha por objetivo eliminar a previsão do plebiscito prévio para a privatização das estatais no Rio Grande do Sul.

Abaixo disponibilizamos o excelente trabalho realizado pelo Dr. Luiz Gustavo Capitani e Silva Reimann, Advogado da COP Advogados, para ser usado como mais uma ferramenta de resistência ao desmonte do Patrimônio Público do Povo Gaúcho.


Estudo de Inconstitucionalidade

Iniciada a gestão estadual do Governador Eduardo Leite, retorna à pauta do governo a privatização das estatais gaúchas CEEE, SULGÁS e CRM. Em razão da importância estratégica e econômica das estatais, e do grande impacto que a transferência de sua titularidade causa ao cenário econômico gaúcho, restou estabelecido na Constituição Estadual – no art. 22, § 4° - a exigência de consulta prévia à população, mediante realização de plebiscito:

Art. 22. [...]
§ 4.º A alienação, transferência do controle acionário, cisão, incorporação, fusão ou extinção da Companhia Estadual de Energia Elétrica – CEEE –, Companhia Rio-grandense de Mineração – CRM – e da Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul – SULGÁS – somente poderão ser realizadas após manifestação favorável da população expressa em consulta plebiscitária.

Durante o governo Sartori, foram apresentadas propostas de emenda à constituição no intuito de suprimir a obrigação de realização de plebiscito, o que acabou não sendo objeto de votação pela Assembleia Legislativa. Ato contínuo, o governo estadual tentou realizar a consulta popular, mas, face ao esgotamento do prazo para convocação – não tendo obtido êxito na proposta de sua redução – encerrou-se a gestão sem concretizar seu intento.
Às vésperas do final do recesso parlamentar, já se tem notícia de que o governo tentará suprimir a garantia popular estabelecida no art. 22, § 4º da Constituição Estadual, feito que não foi concretizado no governo Sartori. Ocorre que a medida pretendida, antes mesmo de apresentada, já é objeto de dúvidas quanto à sua constitucionalidade.

De fato, a controvérsia reside nos limites que são impostos às reformas constitucionais, especialmente reforma tão peculiar como a pretendida.
A atividade legislativa está submetida às balizas do Direito e, por consequência, quando em conflito com este, submete-se ao controle jurisdicional para que se dê efetividade às normas e princípios afetados e, assim, seja exercido o controle por parte do Poder Judiciário, sem que isso represente intervenção indevida sobre o exercício do Poder Legislativo/Executivo pois, ao contrário, concretiza o equilíbrio entre os Poderes.

Tal controle, inclusive, é cabível mesmo em se tratando da atividade legislativa que tenha por fim modificar o texto constitucional através da aprovação de emendas constitucionais, conforme doutrina do Ministro Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, na obra Curso de Direito Constitucional:

[...] As limitações ao poder de reforma teriam reduzido efeito prático se não se admitisse o controle jurisdicional da observância das relações que o constituinte originário impôs ao poder constituído. Entre nós, há muito que o STF entende possível esse exame. Ainda na Primeira República, admitiu a discussão sobre a validade da Reforma Constitucional de 1925/1926 e face de decretação de estado de sítio e por não ter sido aprovada pela totalidade dos membros de cada Casa Legislativa. O STF proclamou válida a revisão, entendendo-se, portanto, competente para avaliar a legitimidade de emendas à Constituição – inteligência que se manteve firme desde então [...] (Pp. 123/124)

Nesse sentido, a aprovação pela Casa Legislativa de emenda ao texto constitucional que, sob os diversos prismas possíveis, se apresente em desconformidade com as normas e princípios delimitadores da mudança, oportuniza seja submetido o texto reformador ao crivo do Poder Judiciário e, uma vez constatado o vício de inconstitucionalidade, declarada a nulidade da modificação.

Constatada a possibilidade de controle jurisdicional dos atos normativos que tenham por objeto a reforma do texto constitucional, cabe investigar-se sobre a eventual ocorrência de vício de inconstitucionalidade que represente óbice à validade da pretendida supressão do plebiscito.

Apesar da Constituição Estadual indicar em sua literalidade poucas disposições relativas a esses limites – atendo-se a limites procedimentais, conforme o art. 58, §§ 1° e 4° – a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, extrai-se que o Estado-membro está condicionado aos limites materiais estabelecidos na própria Constituição Federal. Nesse sentido o julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 486/DF, tendo por relator o Min. Celso de Mello:

[...] o poder constituinte do Estado-membro, ou poder constituinte decorrente [...] evidencia-se como expressão de uma função jurídica necessariamente sujeita aos condicionamentos normativos impostos pela Carta Federal. Daí o registro lapidar de RAUL MACHADO HORTA (“Poder Constituinte do Estado-Membro”, “in” RDP, vol. 88/5), no sentido de que “É na Constituição Federal que se localiza a fonte jurídica do Poder Constituinte do Estado-Membro” [...]

Dentre os limites estabelecidos para a atividade reformadora, encontram-se os implícitos e os explícitos. Os limites explícitos são de pronto identificáveis no rol adotado pelo art. 60, § 4° da CF/88 (forma federativa do Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; e os direitos e garantias individuais), cujo escopo de proteção vai além da mera literalidade das cláusulas ali previstas, tutelando-se os princípios que lhe são decorrentes, sob pena de tornar ineficaz o dispositivo constitucional.

Em sentido semelhante, referiu o Min. Gilmar Mendes, quando do julgamento da Medida Cautelar na Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 33/PA, o que segue:

[...] Daí afirmar-se, correntemente, que tais cláusulas hão de ser interpretadas de forma restritiva. Essa afirmação simplista, ao invés de solver o problema, pode agravá-lo, pois a tendência detectada atua no sentido não de uma interpretação restritiva das cláusulas pétreas, mas de uma interpretação restritiva dos princípios por elas protegidos. Essa via, em lugar de permitir fortalecimento dos princípios constitucionais contemplados nas ‘garantias de eternidade’, como pretendido pelo constituinte, acarreta, efetivamente, seu enfraquecimento [...]

É oportuno referir que a ausência de previsão literal de condicionantes à atuação do poder reformador, não equivale a dizer que estas não existem, visto que o Direito, e em menor medida a Justiça, não se encerra dentro das imprecisas balizas da redação do texto legal. A esse respeito, a cultura jurídica pós-positivista oportuniza a evolução necessária do Direito, através de sua construção conjugada com a realidade e com as demais ciências sociais, como aponta Luís Roberto Barroso, na obra Curso de Direito Constitucional Contemporâneo:

[...] Para achar a resposta que a norma não fornece, o Direito precisa se aproximar da filosofia moral – em busca da justiça e de outros valores -, da filosofia política – em busca da legitimidade democrática e da realização de fins públicos que promovam o bem comum e, de certa forma, também das ciências sociais aplicadas, como economia, psicologia e sociologia. O pós-positivismo não retira a importância da lei, mas parte do pressuposto de que o Direito não cabe integralmente na norma jurídica e, mais do que isso, que a justiça pode estar além dela [...] (Pp. 351)

Desse modo, além das disposições expressas nos incisos do art. 60, § 4° da CF/88, igualmente há de ser observado pelo poder reformador, limites implícitos decorrentes das normas e princípios constitucionais, como se extrai da lição de Barroso em sua obra já citada:

[...] o debate conduz ao tema dos limites materiais implícitos, também ditos tácitos ou imanentes. O reconhecimento da existência de tal categoria, embora não seja pacífico, afigura-se logicamente inafastável. É que se eles não existissem, as Constituições que não contivessem no seu texto cláusulas de intangibilidade não teriam como proteger sua identidade ou os pressupostos democráticos sobre os quais se assentam [...] Aliás, na medida em que os limites materiais expressem a identidade da Constituição e as salvaguardas democráticas, sua natureza é declaratória, e não constitutiva. Por essa razão, a presença de cláusulas pétreas no texto, não exclui a possibilidade de se reconhecer a existência de limites implícitos [...] (Pp. 203)

A partir de tais premissas, pode-se afirmar que as cláusulas pétreas implícitas, por assim dizer, os limites materiais tácitos para a reforma, estão diretamente relacionados à identidade da respectiva constituição, bem como à tutela do modelo democrático escolhido pelo constituinte.
Como referido, no modelo constitucional gaúcho, optou-se por restituir à população gaúcha o direito de escolha, a partir do exercício da soberania popular via aprovação plebiscitária, quanto à alienação das estatais face à complexidade das consequências sociais e econômicas decorrentes.

Trata-se de opção que outorga à população o direito de decidir diretamente quanto à atuação de seus representantes; opção em tema de tamanha relevância que se entendeu, por bem, deixa-la fora das escolhas unilaterais promovidas por um ou outro governo. Aliás, no atual cenário político, a devolução de parcela do poder de escolha à população é prudente, já que apertadas margens de voto podem determinar opções de gestão bastante distintas e impactantes, vale lembrar o resultado das eleições para o Governo do Estado em 2018: Eduardo Leite obteve 3.128.317 votos; José Ivo Sartori, 2.705.601 votos (ao passo que a soma entre votos brancos, nulos e abstenções totalizaram 2.517.038 eleitores).

Parece necessário recordar que, como enunciado no parágrafo único do art. 1º da CF/88, “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”. Sendo o povo detentor do poder, uma vez tendo lhe sido restituído em determinada parcela o direito de opção na condução dos rumos do Estado, a retomada através de mera reforma do texto constitucional revela inconstitucionalidade obstativa pela afetação indevida do exercício da soberania popular.

É nesse aspecto, que a garantia de plebiscito inscrita no art. 22, § 4° da Constituição Estadual é de ser tida por intangível mediante simples emenda à constituição, cabendo ao Governo do Estado diligenciar – se assim for adequado – no cumprimento dos termos da norma, promovendo a consulta através de plebiscito.
Quando os parlamentares gaúchos decidiram devolver para o exercício direto da população, via plebiscito, o poder de autorizar ou não as privatizações, o fizeram de forma definitiva, não lhes sendo mais cabível retomar o poder sob pena de ferir o princípio da soberania popular.

Por sua vez, a renúncia ao referido poder da população gaúcha somente estaria legitimada a partir do exercício de opção dos próprios detentores, ou seja, mediante a realização de plebiscito autorizador.

O plebiscito – que, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.709/98, consiste em consulta formulada ao povo, com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo a ele, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido – é espécie de direito político, assegurado no art. 14 da Constituição Federal de 1988.

Em sendo direito político da população gaúcha, sua tutela esta intimamente ligada à democracia e à própria dignidade da pessoa humana, como se depreende da obra Curso de Direito Constitucional, de autoria de Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero:

[...] assume relevo a vinculação entre a democracia e os direitos políticos e a dignidade humana, pois, de acordo com a lição de Peter Häberle, a democracia é a garantia organizacional e política da dignidade da pessoa humana e do pluralismo, ao passo que esta assume a condição de premissa e pressuposto antropológico do Estado Democrático de Direito. Afinal, é mediante a fruição de direitos de participação política (ativos e passivos) que o indivíduo não será reduzido à condição de mero objeto da vontade estatal (mero súdito), mas terá assegurada a sua condição de sujeito do processo de decisão sobre a sua própria vida e a da comunidade que integra [...] (Pp. 661)

Além disso, consoante dispõe o art. 14 da Constituição Federal de 1988, o plebiscito é forma de exercício da soberania popular, não podendo assim ser a sua supressão alvo de proposta de emenda à constituição estadual, sob pena de infringir cláusula pétrea implícita, na esteira da lição da obra já citada do

Min. Roberto Barroso:

[...] há quatro categorias de normas que a doutrina, classicamente, situa fora do alcance do poder revisor, independentemente de previsão expressa. São elas as relativas: 1ª) aos direitos fundamentais, que no caso brasileiro já se encontram, ao menos em parte, protegidos por disposição expressa (CF, art. 60, § 4°); 2ª) ao titular do poder constituinte originário, haja vista que a soberania popular é pressuposto do regime constitucional democrático e, como tal, inderrogável [...] (P.p. 204)

Disso resulta claro, portanto, que não cabe ao Governo do Estado do Rio Grande do Sul descumprir o preceito inscrito no art. 22, § 4° da Constituição Estadual, através do envio e aprovação pela Assembleia Legislativa de proposta de emenda à constituição que tenha por objeto a retirada do plebiscito. Ao contrário, deve observar o direito político ali assegurado a cada membro da sociedade gaúcha, sendo, portanto, inconstitucional a pretensão de envio da proposta de emenda à constituição, cuja apreciação caberá ao Poder Judiciário nas diversas modalidades disciplinadas no ordenamento jurídico brasileiro.

Luiz Gustavo Capitani e Silva Reimann
OAB/RS 67.643