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E os trabalhistas, o que tem a ver com isso?

E os trabalhistas, o que tem a ver com isso?

Benizete Ramos de Medeiros[1]

                                                “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia” (Chico Buarque)

                           
Resumo: A pandemia, o episodio vacinação, CPI e o mundo do trabalho têm provocado nos envolvidos com o Direito do Trabalho forte agito, que não permite manterem-se na condição de meros expectadores e sim de atores sociais ou até mesmo de artistas diante do desafio malabarístico de cada dia. O texto tem por objetivo breve análise do trato do governo com a pandemia, a coisa pública e a vacinação, sob  a ótica de alguns grupos institucionalizados do campo trabalhista, sua movimentação e o seu espaço de debate quanto ao tema. É um texto solto, arrimado em pesquisa de mídia num diálogo critico com a poesia de Chico Buarque.

Palavras-chaves: Pandemia. Vacinação. CPI. Trabalhistas. Governo.

1.Introdução

            O movimento de produção de texto científico na seara dos direitos sociais e humanos é desafiador no atual momento, já que se vive sob a égide de fortes ataques às instituições e graves violações aos direitos sociais com ruptura do correto direcionamento da coisa pública latu sensu, e, portanto, encontrar um foco específico é ainda mais difícil.

            Nada melhor do que usar a poesia crítica em tais momentos para estabelecer o diálogo e para isso opto pela música de Chico Buarque, “Apesar de você”.

            O que ocorre no Brasil no atual governo Federal é estimulante às inúmeras e multifacetadas reflexões, por óbvio, pautadas nas indignações e incompreensão. Escrever pode ser um caminho de  detectar alguns episódios e fatos  que somente a história melhor contará. A forma de tratar a pandemia e seus impactos sociais é uma delas.

            Faz-se necessário esclarecer a escolha do título, pois se traduz em anseios de quem vive e respira o mundo do trabalho há mais de três décadas, sempre analisando os impactos das legislações e jurisprudências nas referências entre capital e trabalho pela lente da politica, da economia, da saúde, dentre outras mas, induvidosamente a postura do chefe do executivo nacional, seus ministros, seguidores, assessores e apoiadores tem sido o grande desafio malabarístico para o status social e democrático.


[1] Benizete Ramos de Medeiros. Advogada Trabalhista; doutora em Direito e Sociologia; mestre em Direito; professora de graduação e pós graduação stricto sensu(PPGD/UVA); membro da Escola Superior da Advocacia Trabalhista  da ABRAT; membro da Comissão de Direito do Trabalho do IAB; diretora e ex-presidente  da Associação Luso-brasileira de Juristas do Trabalho: JUTRA e professora convidada da Universidad Internacional Ibero Americana –UNINI.

2. Os trabalhistas na história – breves notas

            Sem afastar outros, o episódio da pandemia e o combate ao covid-19 representam um dos grandes espantos atuais, e a via de escolha é o papel do que e do por que nós, os trabalhistas, temos que nos imiscuir nesse tema, ou seja, qual o aporte dos advogados trabalhistas – nem todos -, dos membros do Ministério Público do Trabalho, dos auditores Fiscais do Trabalho, da magistratura trabalhista e outros grupos e   instituições trabalhistas, para entender e minimizar os impactos sociais. Esse caminho é uma escolha que não se pode dizer ser a melhor, nem a pior ou o mais acertado, mas, um caminho, uma lente, um olhar.

            E exatamente por que o seguimento dos que militam de alguma forma em torno da justiça e do Direito do Trabalho precisou mostrar-se aguerrido para valer sua importância no cenário jurídico em décadas anteriores que não se permite esmorecer ante o esbulho social.

            Alhures, resgatamos a história em longa pesquisa de três anos e meio, publicada em livro[1], acerca da reconstrução, origem institucional e do por que da advocacia trabalhista se organizar em patamar nacional, dando à obra o titulo de “Os trabalhistas, da discriminação à ascensão e a participação da ABRAT”, em cujas páginas com pesquisas de campo, entrevistas, análise de documentos concluiu-se que esse grupo de advogados era considerado de segunda categoria em relação aos outros ramos da advocacia e desprestigiado nas primeiras décadas de organização da Justiça do Trabalho, assim como a própria Justiça do Trabalho e o segmento da magistrada especializada, isso por lidar com as relações entre o capital e trabalho, com os direitos sociais e, ter em sua gênese uma justiça preponderantemente conciliadora e com juízes leigos. Essas são algumas das razões constadas para a discriminação inicial

            Desde a publicação da obra no início do ano de 2016, muitos foram os movimentos sócio jurídicos ocorridos no cenário nacional, encarnando uma verdadeira subversão dos princípios basilares dos direitos sociais trabalhistas que se acentuou a partir do golpe político de 2016 e a “ascensão” ao poder maior do país de um presidente de extrema direita e pouco comprometido com o diálogo social, com os direitos sociais, humanos e os demais poderes nucleares.

            Portanto, resta esclarecer desde logo que este texto não é jurídico, não é histórico, não é sociológico, mas talvez guarde referências em diversos vieses já que se arrima mais em textos de mídia e alguma pesquisa bibliográfica, notadamente a respeito da participação da advocacia trabalhista instituída pela ABRAT, do Conselho Federal da OAB, da ANAMATRA, do ANPT e  sem exaurimento dessas participações.

3. A pandemia pelo Covid-19, o início e o tratamento legislativo no Brasil.

No dia 6 de fevereiro de 2020 foi criada a primeira lei em caráter geral, para combater a calamidade pública iminente, a Lei 13.939/020, que dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Coronavírus, definindo também os conceitos de isolamento social e quarentena. Era o início de uma fase longa e diferente de viver.

No mês de fevereiro, a China estava em seu ápice da pandemia, porém não havia ainda nenhum caso diagnosticado no Brasil, seguindo as festas carnavalescas durante todo o mês, mesmo com divulgação de escassas “notícias” de que o Brasil já estava tendo casos.

Segundo o Ministério da Saúde, o primeiro caso de contaminação no Brasil, somente é confirmado no dia 26 de fevereiro[2], com um homem de 61 anos que viajou a Itália, deu entrada no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. O segundo caso, veio três dias depois, de outro homem também na cidade de São Paulo que chegara da Europa. Dezesseis dias após o primeiro caso, já havia 60 casos confirmados, editando-se a primeira MP voltada a pandemia, a MP 924/20.

No dia 21 de março, já eram noticiadas a morte de dezoito pessoas pelo novo Coronavírus[3]. Foi nesse dia que o presidente Jair Bolsonaro definiu os serviços e atividades essenciais para o funcionamento do país. Termina o mês de março com 4.683 casos confirmados de covid-19 e chega a 167 o número de mortos. Fecha também o mês com a criação de quatorze novas Medidas Provisórias, entre elas destacam-se aquelas relacionadas à sustentação do emprego e renda, quais sejam as MP’s 927/20, do dia 20 de março e a 936/20 de 1º de abril de 2020[4].

Anote-se, desde já que o final do ano de 2020, ao contrário do esperado, foi marcado por uma segunda onda que chegou de forma mais agressiva, com fechamento de atividades em diversos estados e cidades; reabertura de leitos e hospitais de campanha então fechados. Alguns estados como o Pará e o Amazonas, a situação ficou extremamente crítica com 100% das ocupações dos leitos.

Diversas têm sido as intercorrências e diferenças políticas e institucional com a banalização da vida, o negacionismo, o retardamento na aquisição de vacinas, as campanhas antivacinas. Fatos que, chegando-se ao final do primeiro semestre de 2021 com o número 556.834  mortes confirmadas no Brasil.

Dialogando o texto e poesia de Chico Buarque, “apesar de você”:

Hoje você é quem manda
Falou, ta falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão[5]

            Mas, desde o final do ano de 2020 quando chegou a segunda onda do vírus no Brasil, os anúncios no retardamento da encomenda das vacinas já evidenciavam descasos e desmandos na ordem da crise sanitária e os anseios da sociedade clamavam por investigações, por ampla vacinação, tendo sido instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado Federal  para apurar a possível negligencia do governo federal no combate adequado da pandemia.

4. Sobre a CPI da COVID

            No dia 27 de abril de 2021, após disputas por espaços, foi instalada no Senado Federal a CPI  para apuração da responsabilidade do Governo Federal na condução do combate à  pandemia, tendo como relator o senador Renan Calheiros do MDB-AL e presidente da comissão, o senador  Osmar Aziz do PSD-SP, com onze senadores titulares e sete suplentes.

            Desde o início da pandemia, o então presidente da República, Jair Bolsonaro, anunciava o tratamento precoce com medicamentos sem qualquer comprovação científica, o chamado kit covid; propagava o negacionismo com a frase “é só uma gripezinha”, contrariando todas as orientações médicas, inclusive de seu próprio ministério da saúde, na época o ministro Luiz Henrique Mandetta; promovia e promove aglomerações com abraços, apertos de mão e  tudo isso propositalmente e  sem a utilização da máscara.

 

            No entanto, no tempo em que este texto é pensado e escrito já se somam 556.834 mortes confirmadas no Brasil vítimas do vírus, além de milhares internados. E, nessa esteira, o que as pesquisas científicas vêm apontando é na direção de que: se houvesse uma vacinação em massa e mais rapidamente aplicada, o resultado seria a redução da circulação do vírus e, consequentemente, de  seu contágio, com menor número de morte. Mas, essa não foi a política adotada pelo Ministério da Saúde, por orientação do presidente Bolsonaro.

 

            Quatro ministros da saúde passaram pela pasta desde o início da pandemia.

 

            Com tudo isso, a propaganda do governo sempre foi “vida normal”, abertura de todos os setores comerciais, funcionamento pleno, ou seja, preserva-se a economia em detrimento das vidas, ideia da imunização de rebanho consistente na contaminação do maior número de pessoas ao mesmo tempo objetivando o rápido retorno e uma “economia”, adotando, assim a política de mercado como lógica na condução da pandemia.

 

            A CPI, então, começa a desvendar que esse formato de combate à epidemia no Brasil foi proposital, com o retardamento na aquisição das vacinas oferecidas anteriormente, o descrédito à vacinação e mesmo o desestímulo à adoção dessa medida, com intenso incentivo à utilização do chamado kit Covid como prevenção à contaminação.

            Voltamos com chico Buarque,

Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar[6]

 

            O que a CPI já apurou até o recesso do mês de julho de 2021, permeado por muitas e fortes contradições entre os depoentes, é a recusa na encomenda das primeiras vacinas oferecidas no ano de 2020; corrupção na aquisição das vacinas de outros laboratórios com superfaturamento de preços envolvendo os Ministérios do Governo Federal, militares e empresas privadas recém criadas. Várias pontas de um grande iceberg vão surgindo, mesmo com as ferrenhas tentativas de alguns depoentes em proteger e esconder os fatos.

 

            Na verdade, o que tem sido visto, ou lido, é um verdadeiro espetáculo, não fosse trágico, um show e mentiras e tentativas de engodo, “de se safar”, salvando-se alguns que optaram por trazer as informações corretas da ciênc